18 maio 2009

Poema de José Ricardo Nunes

O TESTEMUNHO

Os aplausos e os gritos da turba descontrolada
sobrepõem-se às palavras que faziam corpo
comigo na solidão dos caminhos. As coisas
já não exigem as suas palavras.

Desculpem-me o desabafo.
E é tão deselegante, bem sei, chamar poetas
para aqui, ainda para mais os que ficaram
fechados em livros, no desamor do esquecimento.

De resto, revelei-me incapaz de passar despercebido –
eu que apenas sou mencionado
quando o atleta se descuida e falha a transmissão
ou me deixa cair a meio da corrida.
Mais forte do que eu, simples
tubo metálico de fabrico em série.

Já fui invólucro de ordens, notícias,
mensagens que se transformavam
em acontecimentos assim que eram destruídas.
Relegado de vez para o desporto,
passo agora vazio de mão em mão
pelas pistas dos estádios.


[in Versos Olímpicos, Deriva, 2009]

2 comentários:

A.S. disse...

Olinda,

Eis um poema muito subtil e com uma linda expressão poética!
Gostei!!!


BjO"s

Ricardo Silva Reis disse...

Que agradavel surpresa!
O teu espaço está carregado de boas escolhas e de muito bom gosto. Gostei muito e vou voltar.
Beijinhos
Ricardo